Eram 15h40 quando os organizadores e os primeiros ativistas pela legalização da maconha começaram a se concentrar para realização da 3ª edição da Morato Legalize, como é chamada a Marcha da Maconha em Francisco Morato, na Grande São Paulo. Em poucos minutos, a calçada de saída da linha 7 Rubi da CPTM, neste sábado (25), foi ficando pequena diante do movimento de quem deixava a estação, dos que se juntavam ao ato e para a população que observava o protesto do grupo com pouco mais de 20 pessoas.
“Os caras se ferram por isso, mas a maconha é diversão, alegria”, murmurou o morador do município há mais de 40 anos, Antônio do Rosa, enquanto esperava, ao lado da marcha, para atravessar a rua rumo à sua residência.
De fato, perto das 16h20, quando os manifestantes se preparavam para sair em passeata pela calçada, uma viatura da Polícia Militar deteve a manifestação, alegando que as autoridades da cidade não haviam sido notificadas sobre a ocorrência do ato. O grupo responsável pela marcha rebateu afirmando que um ofício havia sido protocolado junto à prefeitura e que estavam amparados pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em 2011, havia garantido a realização da marcha como um direito constitucional e de livre expressão.
Uma longa negociação teve início, até que os PMs chamaram o sargento para fazer a tratativa. Acompanhado de mais três policiais, o comandante da equipe desceu da viatura carregando em mãos uma arma de grande porte, que a manteve durante toda a conversa com os manifestantes à frente do peito, até que por final autorizou a continuidade do ato, ressaltando que a presença da PM era para garantir a segurança. “A população não tem o costume de presenciar isso aqui”, afirmou.
Organizadora de outra edição periférica da Marcha da Maconha, a do Grajaú, no extremo sul da capital, à RBA Taís Silveira concordou com a afirmação do sargento. “A população não está acostumada com a periferia tomando as rédeas das políticas públicas, pedindo a mudança de uma lei, está acostumada a passar por ali em ver a gente com a mão para o alto, a polícia abordando”, ironizou Taís.
Acesso à informação
Com o início oficial da Marcha, segurando faixas e bradando gritos pela legalização, o grupo caminhou da estação até a Praça do Coreto, próxima ao local da concentração inicial, para debater a violência contra as mulheres e o modo como a proibição reforça a agressão de gênero. “Fazer uma marcha aqui é mais para a gente trazer informações para os nossos. A gente junta a galera que tem acesso à informação para disseminar esse acúmulo”, explicou a organizadora do Mourato Legalize Dayane Rodrigues Santos.
Ao longo do trajeto de pouco mais de 600 metros, olhares curiosos da população local acompanhavam o ato, com muitos cutucando um ou outro para fazer parte da marcha, “olha lá, fulano, você usa que eu sei, tem que ir”, a outros que pareciam reprovar mudanças na lei que eram ali pedidas.
Integrante do Coletivo Desentorpecendo a Razão (DAR) e da Marcha da Maconha de São Paulo, Gabriela Moncau explica que o objetivo da periferia é se organizar contra “a violência que ela mesmo sofre”, é para que o debate alcance os protagonistas dessa luta. “A política de drogas é uma coisa que atravessa a vida e o cotidiano de todas as pessoas, e a marcha traz a visibilidade de que ela precisa ser contestada, discutida, e as pessoas possam decidir o que elas querem fazem da própria vida, o que consumir, ou o que querem fazer com o seu próprio corpo, sem serem presas, mortas ou vítimas de preconceitos”, afirma.
Aos que moram em regiões periféricas como Francisco Morato, o modo como a proibição atravessa a vida das pessoas vem sobretudo na forma do cárcere, como explica a moradora da cidade e estudante de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Mariana Limeira. “O Direito Penal está para encarcerar preto, pobre, encarcerar as mães pretas e eu acho que isso seja talvez um dos maiores motivos para a perpetuação da pobreza”, avalia. “Aqui em Morato todo mundo conhece alguém que tenha um parente preso, ou tenha passado pelo sistema carcerário, ou sido muito constrangido pela polícia.”
Igor Novaes, mais conhecido por Jaula, vulgo que usa em suas apresentações de slams e poesias, avalia ainda que o argumento da política de combate às drogas é, na verdade, apenas uma desculpa para fazer o controle social da população preta, pobre e periférica. “Meu primeiro enquadro foi quando era criança, e é um ataque muito grande do fascismo. Eles aproveitam de qualquer coisa para te agredir, seja uma pulseira, a forma como você se veste, nem é só pela droga. Ela é apenas uma desculpa”, afirma Igor que é também morador da cidade.
De acordo com dados do último Censo do IBGE, quase 60% da população de Francisco Morato se declarou preta ou parda, sendo o maior percentual da região metropolitana. Relatório de 2018 da Ouvidoria das Polícias do estado indica ainda que, atrás da capital, a Grande São Paulo é o segunda região com mais denúncias (17%) em relação a conduta das polícias Civil e Militar.
Matéria: Rede Brasil Atual